Ontem um casal querido anunciou sua primeira gravidez. Além de muita alegria, a notícia trouxe uma tarde de conversas sobre esse assunto tão delicado que é uma gravidez. Considero esse tema um dos focos mais importantes do machismo mais cruel e mais naturalizado. Vamos começar pelo começo.
Uma mulher em idade reprodutiva que não tem filhos é vista pelo mercado de trabalho como um problema em potencial. Do jeito que a legislação brasileira está hoje a mulher que decide ser mãe ocasiona para a empresa o custo de uma licença maternidade mais os gastos com eventuais contratações extras que se façam necessárias. Depois que a criança nascer - a empresa sabe - é certamente a mãe que precisará faltar no trabalho para levar a criança ao médico ou conversar com a diretora da escola. Nesse sentido, se pensarmos a partir da lógica de mercado, nada mais natural do que pagar menos às mulheres do que aos homens. Afinal, assim a empresa não sai perdendo e, bem, empresas são tradicionalmente prioridade para o Estado. Esquece-se, no entanto, que são necessárias duas pessoas para uma terceira nascer. Eu me pergunto, por exemplo, como teria sido repovoada a Europa do pós guerra se as mulheres tivessem se recusado a ser mães. Nós geramos os filhos de que a sociedade precisa mas arcamos sozinhas com o ônus trabalhista.
A mulher que deseja evitar o ônus social de parir um filho têm duas soluções. Uma delas é a adoção. Em 2013 a presidenta (sim, com “a”) sancionou uma nova legislação que permite que o casal adotante (hetero ou homossexual) escolha qual dos dois receberá o benefício da licença maternidade/paternidade. Estamos evoluindo. A passos lentos, mas estamos.
Ludde Omholt, um pai sueco |
A outra alternativa é se mudar para a Suécia, esse país que reacionário adora dizer que não é o Brasil. É que o pessoal de lá já entendeu que a única coisa que um homem não pode fazer por um filho é amamentar. Os suecos acham que todas as outras coisas podem ser feitas tanto por homens quanto por mulheres, por isso a legislação deles prevê 240 dias de licença para cada um dos progenitores.
Mas o período mais crítico, sem dúvida, são os nove meses de gravidez. Reparem como o mundo se sente autorizado a tocar a barriga de uma mulher grávida. Esse gesto aparentemente afetuoso é sintomático de uma sociedade que entende a mulher grávida como domínio público. “Ela precisa se cuidar”. “Que absurdo, está bebendo!”. “Grávida e fumando não dá, né?”. Dá sim. Toda pessoa tem o direito de acender um cigarro em local permitido, e engravidar não altera esse direito. Eu posso até compreender o desejo de proteger o bebê cagando regra na vida da mulher grávida, mas quando a gente tira o zoom da situação e faz o comparativo com os homens, o panorama é claro: os homens não estão sendo avaliados por danos causados a seus filhos como as mulheres estão. “Bom pai” é elogio, “boa mãe” é obrigação.
Uma mulher grávida é antes de tudo uma pessoa. Ela não é um milagre da natureza, não é uma santa. Ela não deve ser tratada diferente de qualquer outra pessoa. Antes, durante e depois de uma gravidez a mulher é soberana no que diz respeito ao próprio corpo, inclusive se ela estiver fumando ou se decidir parir em sua própria casa. Essa autonomia é garantida por lei para todos os cidadãos. Respeitá-la, portanto, não é favor: é obrigação.
Vira e mexe alguém me diz que eu vejo machismo em tudo. Infelizmente eu vejo mesmo. É o que temos pra hoje por um longo amanhã.
* texto originalmente publicado no Facebook pessoal da autora em 27 de outubro de 2014
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