segunda-feira, 23 de março de 2015

A demagogia barata da redução da maioridade penal

por Letícia Bahia



Psicólogo que não se posiciona contra a redução da maioridade penal não merece o diploma que pendura na parede.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, o Brasil alcançou, em 2014, o terceiro lugar no ranking mundial das populações carcerárias. E a violência, a quantas anda?

Esta pauta demagógica se sustenta por uma população compreensivelmente assustada. A lucrativa fábrica do medo vem levando a população a crer que existe um grande número de crimes que ficam impunes por terem os seus autores menos de 18 anos. Nada poderia ser mais falso: o Ministério da Justiça estima que 0,9% do total de crimes foi cometido por jovens de 16 a 18 anos (faixa que seria atingida pelo projeto de lei do deputado Aloysio Nunes). Considerando apenas o dado referente a homicídios e tentativas de homicídio, esse número cai para 0,5%. Isso mesmo: 955 em cada 1000 homicídios ou tentativas de homicídios são cometidos por adultos, mas estas não são as estórias que os jornais mais gostam de contar: eles preferem trazer ao leitor uma amostragem completamente viciada, semeando a falsa noção de que existe uma epidemia de assassinatos sendo cometidos por jovens. Além disso, ao contrário do que costumam afirmar os críticos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA prevê punições que chegam inclusive à privação de liberdade. Mas uma população assustada clama por um herói, e eis que se levantam os Eduardos Cunha e os Aloysios Nunes, árduos para ocupar esse posto tão bem remunerado.

Se legislar pelo medo mostra falta de caráter, exercer a Psicologia desconsiderando o processo de construção do indivíduo é jogar a profissão no lixo. A redução da maioridade desconsidera a história do adolescente em conflito com a lei, que se vê reduzido à categoria inata de "bandido" - à qual se opõe, claro, o "cidadão de bem". Nessa lógica reducionista de desenho da Disney as soluções são simples e o resultado é infalível, quadro que em nada se assemelha à realidade. 

Taxar o jovem que cometeu um ato infracional de bandido é ignorar a trajetória de construção da sua subjetividade e aniquilar, consequentemente, a possibilidade de uma análise crítica dessa realidade que produz a violência. A intervenção pontual do encarceramento, aparentemente simples e eficaz, vai efetivamente se somar à história de abandono destes adolescentes já tão negligenciados pelo poder público. Se a situação já era ruim antes, deve piorar se a decisão for a cadeia, onde - sabemos - uma rotina diária de violação dos direitos humanos deverá agravar o ciclo de violência. 



A Psicologia se fundamenta na plasticidade humana, na possibilidade de mudança. Por esta razão o Conselho Federal de Psicologia, bem como os Conselhos Regionais, são contrários à redução da maioridade penal. O psicólogo que acredita nessa solução demagógica e miraculosa, que nega direitos humanos a alguns - e portanto nega a estes a própria humanidade - deveria jogar seu diploma na privada.


Reflexões de uma lagarta no Facebook

*** Reflexões de uma lagarta no YouTube
**** texto originalmente publicado no Facebook pessoal da autora em 10 de outubro de 2014

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