quarta-feira, 8 de abril de 2015

Alice não é de ninguém

por Letícia Bahia


- Então você acha que mudou, não é?
- Temo que sim, senhora - respondeu Alice.

***

E você vai mesmo mudar, Alice, muito e o tempo todo. Você também é lagarta, minha pequena, assim como quem lê estas palavras que te escrevo com amor, e também aqueles que nunca visitarão este blog que tem você e eu no cabeçalho. 

Na primeira foto em que te vi, você tinha a carinha roxa e a cabeça cônica, decorrência do parto normal. Hoje, três dias depois de ser parida, você já se parece com uma princesa. Os Ferreira Lopes que me desculpem, mas você tem a boca bonita dos Bahia Diniz. Com essa mãe e esse pai, Alice, você vai irremediavelmente se tornar uma linda boneca, e, mais pra frente, uma linda mulher. E eu desejo que isto não tenha a menor importância, pequena.

Venha cá, Alice, sente no meu colo. Vamos brincar de explorar cavernas? Quem você quer ser? Eu quero ser o monstro do lago negro, mas não tenha medo: se você chegar perto, vai descobrir que só sou monstro porque estou só. Eu só sou monstro se você não entender que eu sou como você. Vamos pegar nossas ferramentas? Vamos ver o que tem ali atrás daquelas pedras?

Na caverna, Alice, você sabe, há perigos que a gente nem pode imaginar! Por isso é preciso cuidado, é preciso lanternas, é preciso sapatos especiais e capas mágicas para que nunca nos tornemos invisíveis. Eu te empresto a minha enquanto você não tece a sua. A caverna tem todo tipo de criaturas, é um lugar fascinante. Olha aquela pessoinha ali! Ela só tem uma perna! Vamos perguntar pra ela como se faz pra viver sem uma perna? Aposto que você não sabe!

Mas olha, Alice, esse sapatinho bonito não vai funcionar na caverna. Você pode tropeçar, não é sapato para pisar. É sapato para ser princesa, e princesa não entra na caverna. Que tal se você deixar seus sapatinhos aqui fora e colocar essa bota aqui? É que na caverna a gente se suja, se lava, se cresce. Os seus sapatinhos de princesa - eu prometo - vão ficar te esperando onde você os guardar. Mas é preciso que você saiba: na volta, seus pezinhos serão outros. Você é lagarta, lembra? Você é mais bonita que qualquer borboleta, mas a gente não quer a vida cintilante das borboletas. Fosse pelo menos uma mariposa...

Para onde vamos agora? Veja como seus pés estão grandes, Alice! São como enormes pés de pato! Por que você não vai ali dar um mergulho e me contar sobre as estrelas do mar? Eu não sei o que comem as estrelas do mar! Eu sei que você já consegue sozinha, e sabemos que você pode ir sozinha porque sabemos que você nunca estará sozinha. Lembra do monstro, Alice? Lembra? Monstro é ausência de amor, pequena, e que sorte a sua ter tanta gente com vontade de te apertar!

Eu sei, eu sei: às vezes a gente se enche de tantos gigantes com a mão nas nossas bochechas. É amor, Alice. É a matéria prima do seu corpinho. Não, não me olhe com essa tromba! Eu sei o que você está pensando: você está pensando que eu vou dizer que você tem que ser grata por todo o amor que recebe, e que é feio jogar fora a coisa mais bonita do mundo, e que falta a tanta gente. Acertei, ponto pra mim! 

Imagina, Alice! Eu nunca diria isso! É claro que você pode dizer não! Você sempre pode dizer: "eu não gosto que apertem minhas bochechas". (As princesas não podem: elas vivem de súditos e os súditos vão embora quando o sorriso das princesas para de sorrir). Nós, que te amamos - e porque te amamos - saberemos que as bochechas são suas, os sorrisos são seus, os desenhos são seus. E nós saberemos - ou precisaremos aprender - ser gratos quando você decidir abrir sua caixinha e nos dar de presente um sorriso, um desenho, uma bochecha para apertar. 

Você se parece mesmo com uma princesa, Alice! Mas é mentira, porque as princesas são dos príncipes! E você, minha pequena, não é dos seus pais, não é dos seus avós e nem dos seus tios. Você nunca será do seu marido - ou esposa - nem do seu chefe, nem mesmo do deus em que eventualmente escolha acreditar. Você não é de ninguém, Alice. Você é de você mesma. 







 

3 comentários:

  1. Lagarta é tu letu. Que ja nao cabe mais no casulo. E parabéns pela princesa plebeia claro. E linda claro. Um beijo

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  2. Lindo texto! Que sejamos todas de nós mesmas!

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  3. Lindo texto! Que sejamos todas de nós mesmas!

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