por Letícia Bahia
Algumas mulheres até são mais fortes do que alguns homens, mas os machos da espécie humana são, via de regra, fisicamente mais fortes do que as fêmeas. Este dado irrefutável é usado por muitos para justificar uma suposta supremacia masculina. "A natureza decidiu assim", dizem. Pois eu retruco que a cultura decidiu assado. Convido você, leitor@, a deixar o muque de lado por um instante e me acompanhar nesta reflexão e fazer força com o cérebro.
Algumas mulheres até são mais fortes do que alguns homens, mas os machos da espécie humana são, via de regra, fisicamente mais fortes do que as fêmeas. Este dado irrefutável é usado por muitos para justificar uma suposta supremacia masculina. "A natureza decidiu assim", dizem. Pois eu retruco que a cultura decidiu assado. Convido você, leitor@, a deixar o muque de lado por um instante e me acompanhar nesta reflexão e fazer força com o cérebro.
Cultura: o tempo todo nos referimos a ela. "A cultura francesa é riquíssima!"; "fulano de tal não tem cultura, coitado!"; "isso é apenas uma questão cultural...". Mas o que afinal é a cultura, esta nuvem etérea que nos distingue dos outros animais? As muitas resposta estão dispersas pelas Ciências Humanas, em especial na Antropologia. Uma das mais recorrentes - e que muito me agrada - diz que cultura é aquilo que se opõe à natureza. Quando você está com a bexiga cheia a natureza diz: "mije!". Vem a cultura e contesta: "segure-se, caminhe até o banheiro mais próximo, desnude seu genital, urine dentro do vaso, vista-se, lave as mãos e volte para o convívio social". Fome para a natureza: "coma agora. Coma a comida que estiver mais próxima. Coma como se não houvesse amanhã". (A natureza desconhece o amanhã). Diz a cultura: "aquele restaurante parece bom. Será caro? Seria bom verificar se não há espera".
Quem costuma vencer é a cultura, e nós achamos bom que seja assim. Mesmo pessoas que, como eu, são chegadas em abraçar uma árvore, não gostam de ver um ser humano lutando por comida como fazem os bichos ou mijando-se nas calças como fazem as crianças. É triste ver os moradores de rua do centro de São Paulo resolvendo seus problemas no soco, dormindo onde quer que lhes dê sono e comendo lixo para saciar a fome, eterna companheira. A derrota completa da cultura nos deixa sem humanidade.
Natureza: retomemos o argumento da turma que diz que a supremacia do macho humano é da nossa natureza. Uma salva de palma, estão corretos! O mais forte domina o mais fraco, diz a natureza. Mas a equação não fica completa se a gente não procurar entender o que é que a cultura tem a dizer sobre a força física. Nesse momento quero dar as mãos àquelas pessoas que no primário foram trucidadas pelos coleguinhas por conta de suas altas notas em matemática, da altura que nunca passou de um metro e meio, dos óculos fundo de garrafa ou de um jeito de andar que não combinava com o gênero que lhes foi imposto: nós agora vamos falar sobre o quanto vocês podem ser potentes, ainda que fracos.
O ano é 1945. Estamos na final do campeonato mundial de sumô, na qual enfrentam-se os muques do mais puro aço que os deuses já forjaram. Como se não houvesse mais nada, dois Hércules nipônicos decidirão em breve quem é o homem mais forte do planeta. Mas há a guerra, e antes que se revele o Super Homem, cai uma bomba atômica na cabeça dos dois gigantes, transformando sua força suprema em terrível radioatividade. É claro que este episódio é fruto da minha inventiva imaginação, mas homens de força além da imaginação devem ter morrido entre as mais de 200 mil vítimas das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki. É que a tecnologia é filha da cultura, e a força produzida pela ciência quase nunca perde para os músculos que a natureza desenhou.
Quanto maior o desenvolvimento tecnológico, menos relevante se torna a força. Nós inventamos máquinas para fazer força por nós na lavoura, no transporte, nas fábricas. Nós inventamos tantas máquinas de fazer força que acabamos acidentalmente inventando a obesidade. Se antes um prédio de mais de 5 andares era inconcebível, agora estamos inventando mecanismos para que aviões não os derrubem.
Se você pudesse juntar numa mesa de boteco um Sócrates, uma Cleópatra e um Jesus Cristo (aquele comunista!) e contar para esse trio que hoje as pessoas vivem quase até os 100 anos, que têm suas barrigas cortadas por médicos que depois as costuram, que alguns bebês são fabricados em laboratórios sem que seja necessário fazer sexo, que existe um túnel no fundo do mar levando gente da Inglaterra à França (quem precisa de Moisés?) e que lá no céu tem uns paranauê voando que foi a gente que fez, pensa comigo: Cleópatra ficaria bege, Jesus entornaria o vinho de uma só vez e Sócrates, "só sei que nada sei".
Se você pudesse juntar numa mesa de boteco um Sócrates, uma Cleópatra e um Jesus Cristo (aquele comunista!) e contar para esse trio que hoje as pessoas vivem quase até os 100 anos, que têm suas barrigas cortadas por médicos que depois as costuram, que alguns bebês são fabricados em laboratórios sem que seja necessário fazer sexo, que existe um túnel no fundo do mar levando gente da Inglaterra à França (quem precisa de Moisés?) e que lá no céu tem uns paranauê voando que foi a gente que fez, pensa comigo: Cleópatra ficaria bege, Jesus entornaria o vinho de uma só vez e Sócrates, "só sei que nada sei".
Então fica resolvido assim: a cultura sempre vence a natureza e a força da força física, portanto, não é de nada, certo? Devagar com o andor, pessoal, que o nosso projeto de destruição da natureza vai de vento em popa mas ainda temos muito arroz e feijão pela frente. Que o digam os tsunamis, os katrinas e aquele pessoal do SeaWorld que virou almoço de baleia de aquário. E que o digam moças como eu, que além de serem mais fracas do que a maioria dos homens, são treinadas para a submissão, enquanto os garotos são treinados para a agressividade. Quando à noite nós andamos na rua e percebemos um vulto de homem, nós torcemos para que ele não queria nos estuprar, porque se ele quiser, ele vai nos estuprar. A natureza pode perder muitas batalhas, mas negá-la por completo é um grande equívoco.
Ocorre que o bicho humano não gosta de ser bicho. O bicho humano gosta de ser homo sapiens, gosta de cultura, gosta de civilização. Até eu e meus amiguinhos que abraçamos árvores. Foi por isso que a gente inventou outro fruto da cultura, o Estado. O Estado, por sua vez, inventou o aparato legislativo, que é aquela coisa bonita de dizer que todo mundo é igual e que há certas coisas que não são permitidas. E, gente, repara: todas as legislações do mundo ocidental condenam o uso da força física. Aqui no Brasil o sujeito que faz prevalecer sua força física vai quase que irremediavelmente ser enquadrado pelo Código Penal no Artigo 129 (crime de lesão corporal), 213 (estupro) ou no 121 (homicídio). Então sim, há e sempre haverá situações em que a força física consegue prevalecer, mas já faz um bocado de tempo que nós decidimos que isso não é bacana, não é civilizado e não é sequer permitido. Então é melhor a turma encontrar outra razão pra justificar a opressão feminina, porque violência é crime.
A gente até libera em alguns contextos, vá lá. Eu mesma confesso que gosto de assistir UFC, os golpes desenhados pela prática, a violência misturada ao controle das regras. Acho bonito. Torço, dou uns gritos, pareço bicho. Depois lembro que sou bicho-gente, que os vizinhos querem dormir e me calo por uns 10 minutos. Mas, ah!, fora desses contextos em que a gente autoriza a violência (violência autorizada é violência?) não tem conversa. Nada me é mais brochante do que um par de homens empinando o peito um pro outro feito dois pombos. E daí se você é mais forte? Bater no coleguinha dá cana, colega! Meu tesão está no tutano, nas palavras bonitas e nas ideias que voam. E quando me irrompe aquele desejo irracional de sangue, de pancadaria sem limite e até a morte, eu ligo a TV no Discovery Channel.
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