sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Carta aberta a Tati Bernardi

por Letícia Bahia


* Este texto é uma resposta a uma coluna publicada na Folha de São Paulo de hoje, que você pode ler aqui.

Eu também não vejo com bons olhos essa chuva de exposições da nudez feminina a título de arte. E concordo inteiramente com você, Tati, sobre a impossibilidade de a vaidade ser nomeada e exercida. É assim com o ódio, com a inveja e com mais outros 7 mil pecados capitais: precisamos escondê-los do mundo e sustentar a ilusão de que não somos, todos nós, apenas demasiadamente humanos. Só que o mundo das redes sociais é puro deleite para nossa insaciável vaidade, e ela, exibida que só, nem liga para nossas tentativas de ocultá-la. E tudo bem, né? Eu também acho que seria mais legal se as pessoas pudessem dizer francamente que estão se mostrando porque gostam de se mostrar. Não há nada de errado em gostar de aplausos.

Dito isso, Tati, quero agora falar com você sobre outro assunto, que nada tem a ver com a tentativa vã de ocultar nossa humanidade. Quero conversar sobre seios. Como sou heterossexual, não tenho tesão neles. Talvez esse seja seu caso, talvez não. De todo modo, para além de como eu e você nos sentimos diante de um par de seios, quero convidar você a refletir sobre o porquê de eles serem proibidos. Esta é uma reflexão que tem me habitado sobremaneira, e sobre a qual escrevi aqui. Vai ser uma honra se você quiser ler e compartilhar suas impressões (essa sou eu querendo aplausos - como eu gosto deles!). 

Pode parecer uma pergunta besta. "Homens e mulheres não são iguais", dirão muitos, e com irrefutável razão. Mas não é preciso ir muito longe pra lembrar de exemplos de culturas que não recobriam, necessariamente, os seis femininos com pudor ou erotismo. O que um belo par de tetas femininas causa, inclusive em mim, Tati, é bem diferente do que causa um tiozinho sem camisa na Paulista. Mas isso não foi sempre assim, e eu e as meninas do Instagram que você mencionou estamos lutando para que essa regra mude, porque a compreendemos como sintoma de opressão e controle sobre nossos corpos. E fim, está encerrado o assunto "seios". Só um último adendo: a pedido da minha vaidade, insisto pra que você leia meu outro texto, o Mamilo Livre.

Quero retomar o seu, porque acho que temos, nós duas, um ponto de encontro bem bonito. É bem verdade que as pessoas - dos dois sexos e de todos os gêneros - tiram a roupa por motivos que eu considero bestas, e fazem também uma série de imbecilidades pelas razões menos razoáveis possíveis. Mas eu, Tati, como você, gostaria que as pessoas escancarassem as portas dos seus armários. Que saíssem, todas, a serem bestas e imbecis e vaidosas sem fingirem-se de príncipes; que rissem umas das outras sem desprezo, mas como quem reconhece nos defeitos alheios a sua própria imperfeição. Eu também defendo o direito de sermos vaidosos, mesmo quando isso significa uma teta a mostra em um contexto que pra mim seja inadequado. Quando o mundo nos faz escolher entre liberdade e adequação, eu tento sempre ficar do lado das asas. Até porque, nesse caso específico que te incomodou - repare que maluquice - as meninas de teta de fora no Instagram querem promover sua própria extinção. É que quando conseguirmos derrotar esse sintominha do machismo, o torso feminino vai sim causar o mesmo impacto dos mamilos do seu tiozinho da Avenida Paulista. E aí, Tati, além de a gente poder escolher ser vaidosa e curtir nossas eventuais egotrips, a gente também vai poder escolher se quer mostrar ou esconder os mamilos, como já podem fazer os garotos. A utopia do Feminismo é bonita assim: um mundo onde a gente possa ter tantas escolhas quanto possíveis.  

Um abraço,
Letícia Bahia



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