quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Cabelos políticos

por Letícia Bahia



"Uau, que coragem!". "Que desapego!". "Nossa, ficou lindo, mas que louca, hein!". A louca, a desapegada, a corajosa sou eu e o ato heroico é... ter cortado os cabelos. Sou como um Sansão às avessas: cortei os cabelos e, ao que parece, junto com as madeixas foi-se embora minha fraqueza. Pode parecer exagero, mas depois de 1 mês tendo cabelos curtos, enxergo a importância que os cabelos longos têm dentro desse complexo prisional que é a estética da mulher.


Me inclua fora dessa, Cat!
Ter cabelos curtos é libertador. Eu não uso mais condicionador ou qualquer tipo de creme depois do banho. Gasto uma quantidade de xampu - e agora é qualquer xampu - que faz o frasco durar meses. Também não preciso mais refletir sobre a dúvida existencial que acomete tantas mulheres: "lavar ou não lavar os cabelos?, eis a questão". Os potes de produtos que usava para disciplinar - propagandas de produtos para cabelos a-do-ram esse termo - as ondas estão entediados no banheiro, e eu não voltei à loja de cosméticos que frequento (frequentava?) nenhuma vez depois do corte. Não existe mais bad hair day (apresentando uma nova expressão aos rapazes), que antes eu só resolvia com rabos de cavalo, coques ou - que preguiça! - lavando os cabelos. Quando acordo, passo uma água no que me resta de cabelo, bagunço-os com as mãos e estou pronta. Efetivamente, sinto que tenho um assunto a menos para me ocupar a cachola. Nesse sentido, sou agora como a maioria dos homens, e aí começamos a compreender por quê tanta gente acha que é preciso coragem para cortar os cabelos. 

Você ainda não optou pela felicidade? Trouxa!
Joãozinho: meu corte de cabelo tem nome de menino. A Gisele Bündchen na propaganda do Pantene não conversa mais comigo, porque não tenho mais comprimento para justificar os produtos que ela diz que me farão mais feliz. A experiência cotidiana de ter cabelos curtos explicita o quanto nós, mulheres, escolhemos nossa aparência a partir de um critério estético, enquanto a aparência masculina - e, agora, a minha - norteia-se fundamentalmente pela praticidade. É fantástico encontrar na banalidade dos fios de cabelo uma representação tão precisa do antagonismo histórico entre mulheres e homens: nós somos adornos e devemos, portanto, estar bonitas; os rapazes, por sua vez, são o motor do mundo. Não devem perder tempo com futilidades. Nesse sentido, há algo de transgressor quando uma mulher se apropria de uma estética tradicionalmente masculina. 

Sim, e eu rio bastante!
Há algo de transgressor na mulher que não depila, que opta por não arrancar de si o sinal de que seu corpo tornou-se adulto, maduro, autônomo, emancipado. Há transgressão em usar roupas usualmente reservadas aos homens, em fazer baliza com maestria. Onde é que vamos parar se as moçoilas abandonarem seu lugar e começarem a pleitear o que antes só era permitido para os rapazes? E se decidirmos que lugar de mulher é onde a mulher quiser?

Sophie vai ficar anos sem anunciar xampu
Não importa se a moça cortou os cabelos porque viu a Sophie Charlotte na revista. Dentro da esfera individual não cabe investigação sociológica. Mas na compreensão global da estética, cabelos curtos são quase que invariavelmente associados aos homens - e a mulher de cabelo Joãozinho vai, quase que invariavelmente, deparar-se com o espanto da maioria que se surpreende ao ver uma mulher adentrar em terras masculinas. Não importa se houve ou não intenção de transgredir. A Sophie Charlotte, com seus encantadores cabelos curtos que inspiraram os meus, certamente está gastando menos tempo e menos dinheiro com suas madeixas. Como se sabe, a mulher não existe senão para servir ao patriarcado. Graças aos quase obrigatórios cabelos longos, desempenhamos nosso papel sustentando a indústria da beleza - em 2013 o Brasil gastou R$ 59,3 bilhões nesse mercado - e nos preocupando obsessivamente em ficar bonitas. Afinal, as feias que desculpem Vinícius de Morais, mas beleza é fundamental.

O importante é ser princesa
Cheguem mais perto, garotas, papo reto. Sinceridade? Eu acho o cabelo da Gisele Bündchen um escândalo, e torço pra que tenha sempre o comprimento exato que ela escolher. Mas se me permitem um conselho, recomendo uma tesoura voraz. Cabelo cresce, sabem? Não tem problema se você não ficar bonita. Isso é só uma das milhões de qualidades que uma pessoa pode ter e, convenhamos, é das menos relevantes. Uma vez vi uma propaganda de xampu em que uma bela mulher declarava: "estou cansada de lavar os cabelos todos os dias". É claro que o desfecho daqueles 30 segundos não foi a navalha. Mas fora dos comerciais e das passarelas que a Gisele frequenta é permitido ter cabelos curtos. É bom experimentar algo diferente do que propõem praticamente todas as referências que nos ensinam o que é feio ou bonito. É divertido encontrar no espelho algo que não se vê nas revistas, novelas ou nas ruas do bairro onde eu moro. Essa estética homogênea nos rouba a possibilidade de realmente escolher nossa aparência. Autoestima de verdade é poder se sentir confortável do jeito que a gente quiser - e foda-se se reclamarem que estamos muito masculinas. 

Agora vou indo, que cabelo curto cresce rápido e já está na hora de cortar o meu.


Reflexões de uma lagarta no Facebook

2 comentários:

  1. Oi Letícia,
    Que texto maravilhoso, eu me identifiquei muito. Na verdade estou devorando o seu blog.
    Passei por esse processo de cortar o cabelão há 4 anos, ao mesmo tempo que me descobria feminista. Meu cabelo era na cintura, bem liso, eu sempre o mantinha preso porque não sabia muito o que fazer com ele, nunca tive paciência para penteados a afins, e vivia lutando contra o frizz, ai ai ai. Eu tinha essa falta de coragem de cortar, as pessoas diziam "você vai se arrepender", "mulher tem que ter cabelo comprido", "homem gosta de cabelão", e eu sempre deixava para depois, mesmo quando olhava para minhas fotos quando criança e me via com cabelo curtinho e tão lindinha.
    Um dia, usei como desculpa uma viagem de moto longa para cortar. Já no cabeleireiro uma dificuldade, passei por um interrogatório porque a moça achava que eu tinha sofrido alguma decepção para tomar uma decisão tão radical, hehehe, e acabou só cortando na altura dos ombros. Uma semana depois cortei o Joãozinho, que tem sido meu corte desde então. Não me arrependi um só segundo, na verdade eu me senti livre, nada de esperar o cabelo secar por uma eternidade, de ter que prender para não incomodar, de passar cremes porque as pontas estão assim ou assado.
    Lavo todo dia porque sendo oleoso ele fica um nojo se eu assim não o fizer, mas abandonei totalmente os condicionadores, se não tem pente é só arrumar com as mãos e pronto.
    Ouço muito mulheres que me dizem "eu queria cortar mas não tenho coragem" ou "você ficou bem mas eu não posso porque sou baixa/alta/gorda/magra/feia".
    Logo ao cortar um colega perguntou o que meu marido achou, acredita? Também já me disseram para ter cuidado para não ser confundida com uma lésbica por andar de motor e ter cabelo curto, como se ser lésbica fosse algo condenável.
    Hoje nem o frizz nem mais nada me incomoda, se ele quer estar mais ou menos arrepiado eu o respeito.
    Nunca pensei que cortar o cabelo fosse tão importante.
    Ilka

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  2. Querida Ilka, que bom saber que você está "devorando" o blog! E que linda sua história! Existe sempre um cunho político em cada pequena ação que realizamos, e dar-se conta disso é mudar o mundo.

    Beijo grande e volte sempre

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