por Milena Carasso
Algumas fontes informam que o dia das mães remonta aos antigos gregos. E, ah! Como gostamos dos antigos gregos. Se eles praticavam, eles, tão antes, tão sábios, tão nossos, então é claro, deve haver nisso algo de sublime numa espécie de etimologia cultural que tudo valida. Aparentemente o que os gregos tinham era o hábito de celebrar a deusa Terra na entrada da primavera, fazendo-lhe oferendas. Mas por um minuto, desçamos do Olimpo. Aqui, na nossa cultura – a minha e a sua – contemporânea e ocidental, o dia das mães começou a ser comemorado nos EUA, em 1914, quando o então presidente do país Thomas Woodrow Wilson proclamou o segundo domingo do mês de maio o dia oficial das mães. No documento por meio do qual oficializa a prática, o presidente coloca como regra que, neste dia, hasteiem-se bandeiras dos EUA em frente a todas as casas e prédios públicos. Terra, pátria e mãe – um indivíduo, uma mulher – são colocados, de acordo com essas interpretações, como termos de mesmo valor semântico.
Algumas fontes informam que o dia das mães remonta aos antigos gregos. E, ah! Como gostamos dos antigos gregos. Se eles praticavam, eles, tão antes, tão sábios, tão nossos, então é claro, deve haver nisso algo de sublime numa espécie de etimologia cultural que tudo valida. Aparentemente o que os gregos tinham era o hábito de celebrar a deusa Terra na entrada da primavera, fazendo-lhe oferendas. Mas por um minuto, desçamos do Olimpo. Aqui, na nossa cultura – a minha e a sua – contemporânea e ocidental, o dia das mães começou a ser comemorado nos EUA, em 1914, quando o então presidente do país Thomas Woodrow Wilson proclamou o segundo domingo do mês de maio o dia oficial das mães. No documento por meio do qual oficializa a prática, o presidente coloca como regra que, neste dia, hasteiem-se bandeiras dos EUA em frente a todas as casas e prédios públicos. Terra, pátria e mãe – um indivíduo, uma mulher – são colocados, de acordo com essas interpretações, como termos de mesmo valor semântico.
É claro que nem só de origens se faz o homem. E por isso, como surgiu o dia das mães ou qualquer outro evento importa bem menos do que o sentido que esta prática adquiriu e o que representa para as pessoas no mundo de hoje.
Como educadora, então, o que me interessa problematizar são as comemorações de dia das mães dentro da instituição escolar, por ela organizadas e propostas no arranjo de tarefas pelas quais a escola se responsabiliza. A prática de celebrar oficialmente o dia das mães nas escolas ainda é, e muito, frequente, sobretudo na Educação Infantil e no Ensino Fundamental 1. Felizmente, a meu ver, muitas escolas já abandonaram esta prática, ou nasceram sem ela. No entanto, uma breve pesquisa que fiz, assim que desejei saber mais sobre o assunto, me permitiu verificar que centenas de escolas em São Paulo realizam eventos de dia das mães, como apresentações musicais ou de dança, exposições, etc. Outras tantas não criam um momento tão grandioso, mas promovem ao longo da semana atividades para que os alunos elaborem suas homenagens a suas mães, manufaturando cartões, escrevendo poemas, dedicando tempo e material didático em função da data. Sim, da data.
No meu entendimento, é preciso repensar o dia das mães nas escolas, por vários motivos. O primeiro argumento é um tanto óbvio e já ponderado em muitas discussões no meio da educação: o que fazer com as crianças que não têm mãe? Aquelas cuja mãe morreu, ou partiu simplesmente decidindo não desempenhar seu papel na maternidade? O que fazer com filhos de casais homoafetivos, em que logicamente a figura da mãe não está dentro do padrão icônico que a data prevê? Especialistas dizem que, nestes casos, as crianças podem passar por algum constrangimento. Mas eu considero constrangimento uma palavra eufêmica e até banal para estas situações. A criança não fica apenas constrangida, imagino. A criança fica colocada a um lugar de exceção, de minoria evidenciada, e todos a sua volta hão de tratá-la com a condescendência reservada a esses casos.
Há famílias que não têm mãe. Há famílias que têm mais de uma. |
Há ainda outros motivos para eu não estar de acordo com o dia das mães nas escolas. Se não devemos comemorar o dia das mães porque um currículo escolar não prevê isso, porque essa comemoração não mobiliza conhecimentos, procedimentos e atitudes novas e essenciais, que comemoremos então porque todos comemoram, porque está na televisão, no rádio, nas revistas, e é senso comum que se o faça, não? Não! A escola não é o lugar do senso comum. Pelo contrário, a escola é o lugar de desconstrução das representações prévias que se tem acerca de algo, para uma nova construção de representações, dinâmica e questionadora. Representações estas que ocupam agora um lugar de reflexão, de pensar junto ao outro, do problematizar. A escola é o lugar mais da ética do que da moral.
O dia das mães é também a segunda data que mais movimenta dinheiro no comércio, segundo dados da Federação Nacional do Varejo no Brasil. Ora, nada contra presentear alguém. Mas quando uma suposta manifestação de afeto transforma-se em meio de lucro para a indústria de cosméticos, aparelhos eletrônicos e eletro domésticos, que pelo menos a escola retire-se desse esquema. Deixemos à publicidade este papel. Pois repito, a escola não é lugar de apenas viver o mundo tal como ele é, e sim de questioná-lo. E nenhuma escola saudável deve se isentar do questionamento acerca dos temas como o consumismo, o desperdício, a poluição industrial e os outros tantos que, não ignoremos, estão relacionados às datas consagradamente comerciais.
Eu poderia acabar por aqui, mas há um terceiro ponto muitíssimo importante que me parece definitivo para repensarmos a prática de que esse texto trata. É a questão do efeito. Sim. Que efeito produz, a longo prazo, numa realidade, comemorar, ano após ano, o dia das mães? Para uma criança em formação, o efeito é intenso. Como um castelo de cartas, verdades que se constroem hoje, repercutem amanhã. Se a escola inteira se mobiliza, desde que a criança se entende por gente, para um evento desse tipo, embora não haja nenhuma justificativa pedagógica, como já foi colocado, então deve ser porque ser mãe é algo obrigatório na cultura. É necessariamente lindo. É algo que tem que emocionar e fazer parte do destino de toda a mulher. E não adianta dizer a uma criança: “Olha, se você não quiser não precisa ser mãe e está tudo bem. Isso é aceito.” Desculpem-me, mas é muita ingenuidade acreditar que as palavras, nesse contexto, fazem algum sentido. O que faz sentido é a vivência, e ver todos os anos os cartões coloridos, as mães chorando antecipadamente – antes mesmo do evento começar -, constrói a ideia de que à mãe e à maternidade estão reservadas apenas as palavras bonitas. Como então se esperar que, mais tarde, uma criança agora crescida lide bem com sua eventual não vontade de ser mãe, ou mesmo pai? Como esperar que acabem as expressões massacrantes e dolorosas como tia solteirona e mãe solteira? Como esperar que finalmente um dia se aja com naturalidade diante de um casal homoafetivo? Tem sim a ver, tem tudo a ver.
Homenagear uma mãe ou qualquer outro ser humano me parece uma ótima atitude. Mas não pode ser obrigatória, naturalizada, automatizada, padronizada. Uma criança deve poder escolher como, se, quando e porque homenagear sua mãe. E uma boa escola há de saber instrumentalizar seus alunos para eventuais expressões de afeto, caso seja este seu desejo. Se não for assim, o que conseguimos é uma criança acostumada, e acostumar-se nada mais é do que se dobrar aos costumes. Por costume, ela aprenderá que nesta data, é esse o papel a se cumprir, e tantos outros virão cegamente depois, como, por que não, ser mãe. E quanto sofrimento não virá caso seu desejo, mais tarde, seja outro. Porque simplesmente lhe parecerá, a ela e aos outros, que não é nada natural escolher o que ninguém mais escolhe.
Sem ver sentido naquilo, talvez sem prazer, sem intenção, ela fará o que lhe pedem, os cartões, o presente comprado na companhia de um adulto. E esperará, pacientemente, o mês de outubro e o dia das crianças, porque agora é sua vez! Agora não importa se a relação está conflituosa, se há outras prioridades, se há outros desejos. É o dia de receber presentes de quem mais amamos. De quem mais nos ama. Carinhosos, braços abertos em horário comercial.
Muito bom! um hino à diversidade...
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