quarta-feira, 30 de setembro de 2015

"Quero o cheiro da tua orquídea em mim de novo"

por Letícia Bahia



Eu fiquei sem palavras quando me chegou essa mensagem de texto. Nós tínhamos passado um final de semana apaixonante no litoral, e no começo da semana a declaração que eu recebi por SMS terminou assim. Foi a primeira vez que a paixão de um homem por mim incluiu minha vagina. 


Todas nós, mulheres que trepam com homens, sabemos o quanto é raro encontrar um parceiro sexual que trate sua vagina como algo além de uma caverna para enfiar o pinto. Não estou me referindo ao fato de que muitos homens ignoram que há uma mulher atrás da vagina. Falo de uma relação ambígua, que mescla desejo com notas de misoginia. Falo de homens transbordantes de uma virilidade plástica, fabricada em série, mas que nunca pediram a uma mulher que abrisse as pernas para simplesmente contemplar sua vagina. O sexo com esses homens desperdiça o corpo, pois se faz apenas com genitais. Eles não sabem o que é esfregar a coxa em uma vagina, lambuzar-se com ela, respirar seu cheiro e, na hora de finalmente deixar-se engolir, cometer a loucura de ser um humano inteiro, entregue aos sentidos e ao outro, ainda que o outro seja um estranho. 


Nós ficamos bom pacas em forjar nos rapazes essa heterossexualidadezinha de merda. Sim, porque como se sabe, a heterossexualidade é algo atravessado pela cultura e, portanto, algo que se fabrica. Se você me vier com Darwin e o papo de que é preciso juntar óvulo e espermatozoide pra fazer um bebê, eu te devolvo com Simone de Beuvoir: "não se nasce mulher: torna-se". A cópula a que você se refere - cujo objetivo é tão somente a perpetuação da espécie - é só um pedacinho do sexo dos humanos. Descreve apenas nosso aspecto biológico. E é verdade que somos machos e fêmeas, como qualquer bicho, mas somos também algo que é expressão única do bicho homem, este ser cultural: nós somos também homem e mulher, menino e menina, rapaz e moça. Essa dicotomia representa a dimensão cultural do sexo biológico. Explico: nasce a fêmea humana, pinta-se o quarto de rosa; nasce o macho, o pai compra a camisetinha do time. Coisas de menina: boneca, casinha, afetividade, frescura, flor, estrela, delicadeza, coração... Menino: carrinho, futebol, ser estabanado, arma, carregar peso, falar palavrão... Com esse treino intensivo desde útero, não espanta que a gente tenha como resultado machos e fêmeas tão diferentes - mais diferentes do que em qualquer outra espécie. 


Nesse contexto, a transsexualidade chega como prova cabal de que o gênero - nome que se dá à dicotomia homem/mulher, e que tem mais do que duas variações para alguns teóricos - é cultura. É para estourar a champanha quando uma criatura que nasceu com pinto diz: "eu sou mulher". Você pode não gostar, pode ter nojo, pode querer assassiná-l@s (cuidado, dá cana), mas el@s existem e estão aí reafirmando a possibilidade de coexistência pacífica entre ter no meio das pernas um pênis - sexo biológico: macho - e ser fofoqueira, gostar de novela, mandar bem em humanas, ser sensível, usar vestido, e todo o sem fim de elementos que, em cada época, em cada cultura e em cada indivíduo nos fazem identificar alguém como pertencente ao gênero mulher. Não há contradição na transsexualidade, há apenas o rompimento da norma que associa, necessariamente, mulheres a fêmeas e homens a machos.

Mas onde é que a vaginofobia dos meninos entra nisso? Pois é. Faltou falar que somos todos, homens e mulheres, treinados para gostar do gênero oposto. Se você é do rolê feminista, você certamente já ouviu a expressão "heterossexualidade compulsória". Foi isso que sua professora reproduziu quando perguntou pra você, garoto, se aquela menina com quem você sempre andava de mão dada na escola era sua namoradinha. É esse o pano de fundo que está por trás da pergunta "como você reagiria se seu filho te contasse que é gay?". Falo da noção de que ser heterossexual é a norma e ser homossexual é um desvio. E, se a heterossexualidade é treinada, se é da cultura, se se refere infinitamente mais às relações entre homens e mulheres do que entre machos e fêmeas, então é importante que a gente se pergunte:  como é essa heterossexualidade para qual estamos treinando os rapazes? Entre muitas outras coisas nocivas, ela é vaginofóbica.

Não haveria como ser diferente: se o mundo é machista desde que o mundo é mundo, e se o mundo entende que vagina é coisa de mulher (mas você já entendeu que é coisa de fêmea, certo?), é claro que um comportamento afetivo-sexual tido como normal não vai ficar enaltecendo a vagina. 

Nós também somos treinadas para não gostar muito da nossa vagina. As mulheres não se tocam, não se olham no espelho; a masturbação feminina é um tabu enorme; a indústria da ~beleza~ vende sabonete para disfarçar o cheiro da vagina; temos vergonha de falar da nossa menstruação; depilação na virilha (virilha, no caso, é eufemismo) é praticamente obrigação. Sim, nós também desempenhamos nosso papel nesse mundo que não gosta de vaginas. 

Agora repare como as vaginas aparecem nos filmes que os meninos assistem do RedTube. Veja como eles se relacionam com elas: é pôr pra dentro e próxima! Até conhecer uma vagina de verdade, a maioria dos moços só terá visto vagina depiladas, escolhidas de acordo com critérios da misógina indústria pornô e a serviço de um prazer masculino que, se envolve vagina, é com penetração no modelo britadeira. Não é de se espantar que eu tenha me encantado pelo moço que queria se impregnar com o cheiro da minha orquídea!

E como a gente muda isso? Como a gente faz pra desconstruir esse nojinho misógino que tantas vezes aparece na cama de um casal hetero? Gosto de pensar o Feminismo como um movimento que inclua homens, e nesse sentido acho fundamental que você aí, colega que tem medo de vagina, vá procurar na sua história como é que foi acontecer de você aprender a ter nojo daquilo que supostamente te atrai. Mas o protagonismo da luta é nosso, e nós não vamos esperar sentadas. Minha proposta é que a gente assuma nossas vaginas com todo o amor que lhes cabe. Proponho que a gente dê um vibrador pra todas as amigas que fizerem aniversário, que a gente crie mais e mais fóruns pra discutir menstruação. Proponho um relacionamento sério, honesto e amoroso com nossas próprias vaginas. É preciso conhecê-la profundamente, quiçá fotografá-la, filmá-la. Você já viu sua vagina? Desejo que a gente repense a depilação, esse procedimento tão doloroso, e procure se acostumar com o fato de que vaginas têm cheiro de vagina. Torço pra que a gente consiga olhar com desconfiança para esses amores que não se estendem a esse pedacinho tão essencial de nossos corpos. 

Não é nada fácil - eu sei, e sei porque vivo. Mas não há outro caminho. Se não fizermos a nossa parte, pode até ser que a reflexão dos meninos funcione e eles decidam que - plin! - vão amar nossas vaginas como elas são. Mas se assim acontecer, nós estaremos mais uma vez nos subordinando a uma construção dos homens. Não é o que nós queremos, é? É preciso que a gente se enxergue com olhos de mulher, que a gente realize a revolução de descobrir a semelhança maravilhosa que existe entre uma orquídea e uma vagina.          






7 comentários:

  1. Letícia, o grande problema é que uma grande maioria de mulheres nunca olharam sua vagina como quem olha o rosto no espelho, elas ainda têm vergonha, tanto que ainda preferem fazer sexo na penumbra ou de preferencia no escuro. E o cheiro? Elas fazem de tudo para eliminá-los. E quando nós homens dizemos que adoramos o cheiro de seu sexo, nota-se que não gostam.

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  2. Abaixo o desodorante! liberem os sovacos!

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  3. Estou lendo o livro de Naomi Wolf - Vagina uma biografia, muito bom todas as mulheres e homens deveriam ler!

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  4. Ahhh..., várias vezes já peguei minha ex com cara de incompreensão por eu pedir que abra as pernas para eu contemplar seu corpo, deixando meu olhar vaguear por sua vagina, que acho ole a maresia... Acho incrível.

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  5. Ahhh..., várias vezes já peguei minha ex com cara de incompreensão por eu pedir que abra as pernas para eu contemplar seu corpo, deixando meu olhar vaguear por sua vagina, que acho ole a maresia... Acho incrível.

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  6. Ahhh..., várias vezes já peguei minha ex com cara de incompreensão por eu pedir que abra as pernas para eu contemplar seu corpo, deixando meu olhar vaguear por sua vagina, que acho ole a maresia... Acho incrível.

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  7. "Não se nasce mulher: torna-se" Nunca li tanta besteira.
    Já que temos vaginofobia, e você acredita no fato de heterosexualidade é indução compulsória, satisfaça-se de resolver suas amiguinhas e admirar suas vaginas.

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