quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Não é pedofilia, é apenas escroto

por Letícia Bahia


Saiu do BBB o moço que as redes sociais definiram como pedófilo. Dentre os milhares de sentidos que podemos imputar à eliminação de Laércio, o cinquentão que disse gostar de "novinhas", escolho de acreditar que o Brasil que assiste ao Big Brother expressou ali seu repúdio à postura do tigrão, muito provavelmente [lá vou eu com minhas suposições] por efeito da hashtag feminista que em 2015 inundou a internet com histórias de primeiro assédio. Dos 15 minutos de fama que lhe trouxe a participação de duas semanas no programa devem restar não mais que 2. Portanto, Laércio, obrigada pela participação, um beijo pra sua mãe, pro seu pai, a saída é por ali. E agora foquemos na discussão, tão importante e quase sempre tão leviana, sobre esse problema de os homens fetichizarem as mulheres mais novas. 

Comecemos com definições, porque definições importam. Para a Psiquiatria o transtorno de pedofilia é a preferência sexual por crianças pré-púberes. No dicionário Michaelis temos 1) perversão que leva o adulto a ter atração sexual por crianças e 2) ato sexual de adulto com crianças. Mas o que é uma criança? Uma novinha é uma criança? Uma adolescente é uma criança? Aqui é claro que vamos recorrer ao ECA, o documento mais importante para a proteção integral da criança e do adolescente. Pois o ECA nos diz que a gente vira adolescente no dia em que faz 12 anos. Antes disso, afirma, somos crianças, e assim isentamos os rapazes que namoram garotas bastante novinhas da acusação de pedofilia - de acordo com o ECA, repito.  

É preciso que tenhamos cuidado com as definições, porque as definições importam. Mas o maior problema, que talvez esteja por traz da compulsão feminista em taxar de pedófilo qualquer homem que se relacione com meninas que não atingiram a maioridade, seja o afã de recorrer à lei para resolver qualquer problema. É quase como se estivéssemos dizendo que tudo que está dentro da lei é correto, e qualquer mau caratismo, qualquer escrotidão ou inescrupulosidade, possa ser enquadrada como crime no livro das leis. Calma pessoal, e calma especialmente para minhas companheiras feministas. O livro das leis não foi escrito pra dizer o que é certo ou errado (essa é a Bíblia), mas para dizer quais as condutas que ameaçam a sociedade e que, portanto, precisam ser reprimidas. Sua namorada te traiu com seu melhor amigo? Doloroso, mas não é assunto pra ser tratado em juízo. Há que se saber quando devemos recorrer a ele e quando é o caso de batalhar por mudanças culturais, que envolvem petições, hashtags, atos públicos de repúdio (pobre Laércio), mas não envolvem cadeia. É mais legal quando a gente consegue resolver os pepinos sem cadeia. Isso é sintoma de uma sociedade madura e capaz de dar conta de si. Ou será que a gente só repudia o sistema prisional e a lógica punitiva quando discutimos a redução da maioridade penal?

É claro que agressores devem ser punidos, e há casos em que a liberdade destes homens significa risco para toda a parcela feminina da população. Mas e se ao invés de a gente pressionar Ministério Público e o escambau pra legislar e punir, legislar e punir, legislar e punir, a gente procurar entender que diabos está acontecendo pra eu cruzar um Laércio falando das novinhas a cada esquina? Como é que a gente pode achar que trancafiar esses caras na cadeia vai resolver, se na outra ponta há uma fábrica de Laércios sendo cuspidos na linha de montagem? 

Ser criança é sexy, não?
É evidente que esses moços estão em posição de vantagem em relação a suas "parceiras". Pra começo de conversa, a escolha de parceiras muito mais novas se dá fundamentalmente por conta da aparência, e aí é bom lembrar os rapazes que nós não somos um vaso e não servimos para enfeitar suas vidas. Para além disso, é preciso perguntar o que na aparência juvenil atrai tantos homens e, inversamente, por que é tão comum que mulheres se atraiam por homens mais velhos, pela mecha branca do George Cloney e por aquele ar de maturidade. Mesmo quando nos referimos a meninas de 15, 17 anos, elas estão escolhendo, ainda que sem o respaldo da lei. Então vamos refletir sobre esse par: de um lado a menina-mulher, saindo da escola de saia curta e olhar inocente. A pele lisa e bunda dura transcrevem no corpo sua inexperiência, e a inconsequência de quem é jovem demais para ter experimentado as consequências das próprias escolhas faz a vida parecer uma brincadeira. No outro lado do ringue está ele, charuto na boca e olhos de garfo e faca. Ele já tem completo conhecimento sobre seu corpo e seu limites, e seu corpo inventa na mente o sem fim de estripulias sexuais que ele vai fazer com ela. Quem será que vai ganhar? 

A assimetria dos papéis em relações de adolescentes (ou jovens adultas) com homens muito mais velhos constitui toda uma categoria de fetiches masculinos. No RedTube, o YouTube da pornografia (e escola para muitos adolescentes) a categoria Teens está entre as mais populares e tem mais de 17 mil vídeos. Mas não é preciso ir para os meandros sórdidos da pornografia para entender como os homens são treinados para sexualizar garotas - e como as garotas são treinadas para erotizar sua inocência. Em 2014 um ensaio da Vogue Kids escandalizou as redes sociais por expor crianças em poses dignas de revista masculina. O Ministério Público determinou a suspensão da circulação daquela edição, mas a revista segue fotografando crianças (quase sempre meninas) em roupas e poses adultas, ajudando a alimentar a fantasia de uma maturidade que não existe. 

Ensaio da Vogue KIDS
E qual é o caminho? Será que queremos proibir ensaios de moda com crianças? Queremos fechar o RedTube, ou impedir que a próxima protagonista da novela das nove namore o José Meyer? Não será melhor parar de alimentar o monstro?

Gosto do caminho dos abaixo assinados, dos protestos, dos memes. Gosto da reflexão que busca elementos na Psicologia e na História, e gosto, sobretudo, de apresentar esse debate e essas perguntas tão importantes a quem nunca ouviu falar de Feminismo. É difícil, eu sei. Bater é mais fácil, e pedir aos legisladores que resolvam por nós, mais ainda. Mas empoderamento feminino, essa expressão que já está quase gasta, precisa significar também que a gente vai topar o embate, a discussão madura, e que a gente vai sim conseguir defender nosso ponto de vista com argumentos que o tornem irrefutável.

Ontem enquanto eu fazia a unha um senhor com sotaque nordestino e fala doce cortava o cabelo de um homem. O senhor me ofereceu café e conversou comigo sobre o excesso de violência que o Datena nos contava na TV. A certa altura cansou-se dos tiroteios e mudou para um canal onde uma moça dançava com pouca roupa. "Como é bonita as novinha!", ele disse. Não acredito que ele seja um pedófilo. Não me pareceu má pessoa, muito embora esse comportamento seja escroto. O que é que vamos fazer com este senhor? Vamos construir leis que deem conta de tratá-lo como bandido? Ou vamos retribuir-lhe o café e convidá-lo para um dedo de prosa?    

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