por Letícia Bahia
Prezados,
Prezados,
Venho por meio desta me candidatar ao cargo de Relações Públicas do bar Quitandinha. Acredito que posso ser de grande ajuda no sentido de gerenciar a crise envolvendo a cliente Julia Velo e recuperar a imagem do estabelecimento. Para comprovar o que digo, envio não meu currículo, mas uma resposta que poderia ter sido publicada em nome do bar e que, acredito, teria evitado que esta crise tenha tomado as proporções que tomou.
Estou à disposição para um encontro presencial no qual possamos nos conhecer melhor, certa de que esta oportunidade será positiva para todos nós.
Atenciosamente,
Letícia Bahia
Carta aberta a Julia Velo
Prezada Julia,
Antes de mais nada, queremos agradecer sua presença naquele 4 de fevereiro em nosso bar. Nossos clientes, todos eles, são nossa razão para existir e continuar fazendo do Quitandinha um bar de sucesso desde 1993. Nós queremos que você volte, Julia, e por isso te escrevemos.
As redes sociais rapidamente viralizaram um relato no qual você relata uma situação de assédio no nosso estabelecimento, o que é inadmissível. Não por ser o nosso estabelecimento, não por ser você, mas porque qualquer situação de assédio é inadmissível. Queremos que saiba, Julia, que estamos estarrecidos com sua história, e aqui pedimos desculpas publicamente por qualquer conivência que possa ter havido por parte de nossa equipe. Sabe, Julia, essa coisa de Feminismo e essa discussão sobre assédio é novidade pra nós. Nos preocupamos com o bem estar de nossos clientes acima de qualquer coisa, e somos particularmente sensíveis à questão das mulheres, justamente porque, cada vez mais, nos damos conta da realidade que vocês enfrentam diariamente. Mas ainda temos muito o que aprender, e vamos aprender.
Tenha certeza de que os acontecimentos do dia 4 serão amplamente discutidos junto com a equipe e que faremos o impossível para que você e todas as mulheres possam frequentar o Quitandinha sem preocupação. Esperamos que você volte, Julia, e que possa ser nossa parceira na construção de um espaço cada vez mais acolhedor.
Grande abraço,
Equipe Quitandinha
***
Epílogo
Depois de meter os pés pelas mãos em notas desmentindo e desqualificando a versão de Julia Velo, o Quitandinha divulgou, ontem, o que seriam as imagens das câmeras de segurança referentes ao episódio. A legenda é tendenciosa e o vídeo parece ter a intenção - eles não vão parar de atirar no próprio pé? - de limpar a imagem do bar e desmentir o relato de Julia. Qualquer relações públicas desaconselharia esta postura. As regras de ouro do mimimi corporativo são claras: "não enfrentarás o cliente. Buscarás, sempre e até a falência, uma postura conciliadora". Os caras faltaram nessa aula, e pagarão caro por isso. Hoje veremos mais um levante feminista nas redes sociais.
Agora vamos prosseguir ao que de fato importa, que é o dia 4 de fevereiro. Qualquer que seja sua opinião a respeito, não se engane: ela é apenas a sua opinião. É impossível saber o que de fato aconteceu. Mesmo com as filmagens - e ainda que elas sejam legítimas, porque vai ter gente questionando isso - não é possível saber. Situações de assédio são sempre confusas. Elas geralmente envolvem bebida, envolvem diálogos acalorados, envolvem picos de emoção. Nossa memória nunca (nunca) é plenamente confiável, nunca é a transcrição fiel dos fatos, e isso se agrava na presença desses elementos. O que a gente pode e deve buscar se quiser de fato entender o que houve ali são versões. Como é que a gente pode querer buscar verdades se estamos, nós mesmas, redesenhando todas as definições de assédio?
Ainda estamos naquela transição cinza em que o que é assédio para um pode não ser assédio para outro. Minha mãe mesmo acha que nós, feministas, estamos exagerando e que ouvir um "gostosa" na rua é elogio. É a percepção dela, como é que eu vou dizer que uma percepção está errada? É claro que é preciso que a gente se posicione diante das Julias Velos que inundam as redes com suas histórias de assédio (embora me assuste o quanto muitas feministas ignorem a importância de se ouvir o outro lado). É importante que a gente mostre nosso repúdio a lugares coniventes com o assédio. Mas o mais importante - porque o mais importante é que assédios parem de acontecer, não é? - é que a gente possa conversar sobre isso, ter clareza sobre as nossas definições e pleitear que os homens as acatem sem questionamento, porque o que diz respeito ao corpo do outro a gente acata e ponto. Não sei o que houve na noite de 4 de fevereiro, mas posso afirmar categoricamente que o Quitandinha cometeu um erro grave ao se esquivar desse debate. É claro que o bar é conivente. Aposto meu polegar direito que ali acontecem assédios todos os dias. Ali e em qualquer outro boteco. Pois se eu, com meu olhar biônico de feminista volta e meia me percebo conivente com situações de opressão, como é que vai um dono de bar querer se isentar desse caldo cultural no qual estamos todos imersos? Perderam uma oportunidade e tanto de se colocar junto à vanguarda, isso sim.
No mais, torço pra que a gente possa se debruçar menos sobre "a verdade" do 4 de fevereiro e mais sobre o contêiner de aprendizado que essa história traz consigo. Tem debate bom por aí, e se a gente der conta, todo mundo ganha.
À Julia, desejo que esteja sendo bem cuidada por seus queridos e queridas, que não há de estar sendo fácil.
Ao Quitandinha, no qual eu jamais trabalharia, uma dica: desencana desse vídeo, vamos conversar?
* curta Reflexões de uma lagarta no Facebook
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Deveriam liberar todos os vídeos sem edição.... afinal, edição EDITA o conteúdo original dos vídeos... e chamar os vagabundos que assediaram as vítimas de "meninos".... lembrou o jornalismo podre que chama o favelado de criminoso e o playboy de "menino", "jovem de classe média"
ResponderExcluirPois é.
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